Entrevista com Enio R. Mueller na qual fala sobre a sua relação com a Bíblia e sobre um dos “resultados” dessa relação, o seu livro Caminhos de reconciliação: a mensagem da Bíblia , que ele qualifica como “a cristalização de tudo que aprendi nesses anos de leitura [da Bíblia], inclusive na sua forma leve e prazerosa”.
Eis a entrevista:
Em nossa época, por que ainda ler a Biblia? A sua mensagem ainda é atual?
Eu diria que justamente a nossa época pede isso. As pessoas estão cada vez mais em crise de identidade. Ao não saber bem quem são, ficam se modelando aos heróis de plantão, e nesse troca-troca passam a vida. O que estamos sugerindo neste livro é que a narrativa bíblica, ao nos desvelar a identidade de um povo, o povo de Deus, mostra que fazemos ou podemos fazer parte desse povo. E que a história ali contada é a história da minha vida, da nossa vida, colocada agora dentro de um marco ampliado, que estende o meu tempo biográfico tanto para trás como para frente. Também nesse sentido a Bíblia é um espelho, nesse caso espelho de nós próprios, de nós próprios como vistos no coração de Deus. O que poderia ser mais atual que isso?
Escrever sobre a mensagem de um livro como a Bíblia, escrito em diversas épocas por diversas pessoas, um livro que é venerado por uns e odiado por outros é, certamente, uma tarefa que requer alguns cuidados especiais. Poderias fazer algum comentário sobre essa tarefa?
Certamente não basta ler a Bíblia. Os relatos dos evangelhos mostram que também os que crucificaram Jesus conheciam a Bíblia. Também esse assunto o nosso livro encara de frente, por exemplo dedicando um capítulo a “aprender a ler a Bíblia com Jesus”. Isso significa aprender a ver o mundo e a nós próprios, e também a própria Bíblia, desde a perspectiva de Deus. Chegar a isso não foi tarefa fácil, exigiu muitos anos de leitura e estudo da Bíblia em diálogo com a exegese e a tradição teológica.
O que gostarias de dizer para aquelas pessoas que veneram a Bíblia? E para as que a odeiam?
Para os que veneram a Bíblia, eu diria “não a venerem”. Há um risco de se transformar a Bíblia num deus de papel. Isso seria expressão de um duplo erro: o primeiro seria ter lido mal a Bíblia, o segundo seria ter feito dessa leitura ruim um ídolo. Infelizmente isso acontece bastante. A Bíblia é amada por aqueles que convivem com ela, justamente porque é um meio de acesso a Deus, trazendo a nós a palavra de Deus e nos ensinando a falar a Ele as nossas palavras. Para os que odeiam a Bíblia, eu só teria um convite a fazer mais uma tentativa, se deixando guiar por este livro que estamos lançando.
O que a Bíblia representa para ti como pessoa?
A Bíblia é mais que um livro, é uma casa, um lar. Ali a gente descobre quem a gente é, ali a nossa mente vai sendo formada, os parâmetros desde os quais, consciente ou inconscientemente, organizamos a realidade e vivemos nela. O livro é a porta de entrada a este mundo que a Bíblia descreve, e que não é outro mundo mas o nosso próprio, visto desde a perspectiva de Deus.
O título do teu livro, Caminhos de Reconciliação, já aponta para a mensagem da Bíblia? O que é possível adiantar sobre isso?
O título aponta os dois elementos em torno dos quais se organiza a mensagem da Bíblia. Toda a história da Bíblia, desde Gênesis a Apocalipse, é uma narrativa de caminhos. As pessoas estão sempre a caminho, e o extraordinário é que nisso, muitas vezes sem ser percebido, Deus vai fazendo Seu caminho dentro dos nossos. Essa junção dos caminhos de Deus com os nossos já é expressão concreta da mensagem que atravessa a Bíblia, e que foi bem decifrada e transmitida pelo apóstolo Paulo: que Deus em Cristo reconciliou consigo o mundo. Reconciliação é o grande tema da Bíblia, por causa do pecado que a exige, e por causa do grande amor de Deus por nós, que continua a nos buscar quando já nem mesmo sabemos mais quem Ele é. Mais até que um tema, reconciliação é o modo próprio de Deus operar neste mundo que dele se separou.
O livro tem conteúdo teológico? Ou perguntando de outro jeito, pelo seu conteúdo e linguagem, quem está em condições de lê-lo?
Poderíamos dizer que o livro tem várias camadas. Uma delas, que aparece direto, é ler e com isso viver e reviver a narrativa do amor de Deus, que atravessa a Bíblia de um lado a outro. Nesse sentido, ele poderá servir em faculdades e seminários, mas também em grupos de estudo bíblico, como introdução à Bíblia, ao seu tema e à sua hermenêutica. Uma outra camada forma, eu arriscaria dizer, uma introdução à Teologia Sistemática. Todos os grandes temas da teologia recebem atenção em algum lugar, dentro da sequência da narrativa, desde a pessoa de Deus e a criação até a escatologia. Uma terceira camada, ainda, seria que o livro pode ser lido como um texto introdutório ao uso da Bíblia no aconselhamento pastoral. Há uma ênfase no aspecto terapêutico da Bíblia. Gosto de pensar nesse livro como uma piscina onde ao mesmo tempo as crianças podem nadar seguras e felizes, sem medo de se afogar, e os adultos encontrarão águas profundas.
No conjunto da tua obra o que significa este livro para ti?
Já escrevi vários livros, e espero ainda escrever mais alguns, mas este aqui sempre será especial para mim. Seu tema me acompanha desde os 16 anos, ou seja, desde os primeiros meses da minha vida de discipulado cristão consciente. O entusiasmo pela leitura contínua da Bíblia e pela percepção da sua mensagem como um todo se acendeu em mim pela primeira vez ouvindo o curso do nosso querido missionário Alcides Jucksch, que mais tarde virou livro (“Uma viagem pela Bíblia”). Na mesma época, o nosso grupo de Juventude Evangélica (em Ijuí/RS) assumiu o propósito de ler a Bíblia uma vez por ano. Essa prática me acompanha até hoje. O estudo de Teologia, em São Leopoldo, me propiciou o conhecimento das línguas bíblicas, o hebraico e o grego. Desde os vinte anos, então, tive o privilégio de poder fazer a minha leitura contínua da Bíblia em hebraico e grego. O que isso nos dá ao longo dos anos, é difícil descrever, impossível até, porque a Bíblia não atua só na parte da frente do cérebro, por assim dizer, mas especialmente na “parte de trás”, formando mentalidade ao longo do tempo. O que posso dizer, definitivamente, é que nada do que eu tenho lido na vida (e tenho lido bastante!) exerceu sobre mim a influência que essa leitura contínua da Bíblia exerceu, nem de longe. E este livro aqui é a cristalização de tudo que aprendi nesses anos de leitura, inclusive na sua forma leve e prazerosa.
Veja também o vídeo onde o autor fala sobre a Interpretação da Bíblia e da vida
De fato a Bíblia Sagrada é uma obra completamente importante para a humanidade.
Isso em todas as épocas, pois embora já ter acontecido muita perseguição contra a Palavra de Deus, ela nunca deixou de existir!
Vamos valorizar o poder dessa literatura, que em minha opinião, sempre será atemporal.
Deus abençoe…